quarta-feira, 30 de julho de 2008

A mais bonita

Não, solidão, hoje não quero me retocar
Nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas
Deixo que as águas invadam meu rosto
Gosto de me ver chorar
Finjo que estão me vendo
Eu preciso me mostrar

Bonita
Pra que os olhos do meu bem
Não olhem mais ninguém
Quando eu me revelar
Da forma mais bonita
Pra saber como levar todos
Os desejos que ele tem
Ao me ver passar
Bonita
Hoje eu arrasei
Na casa de espelhos
Espalho os meus rostos
E finjo que finjo que finjo
Que não sei

(Chico Buarque)

Todo o sentimento

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo
Da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar
E urgentemente
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo o sentimento
E bota no corpo uma outra vez

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente
Doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro, com certeza
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei, como encantado
Ao lado teu

(Cristóvão Bastos - Chico Buarque)

terça-feira, 29 de julho de 2008

Tira as mãos de mim

Ele era mil
Tu és nenhum
Na guerra és vil
Na cama és mocho
Tira as mãos de mim
Põe as mãos em mim
E vê se o fogo dele
Guardado em mim
Te incendeia um pouco

Éramos nós
Estreitos nós
Enquanto tu
És laço frouxo
Tira as mãos de mim
Põe as mãos em mim
E vê se a febre dele
Guardada em mim
Te contagia um pouco

(Chico Buarque - Ruy Guerra)

Coração ateu

O meu coração ateu quase acreditou
Na sua mão que não passou de um leve adeus

Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou
Meu coração por certo tempo passeou
Na madrugada procurando um jardim
Flor amarela, flor de uma longa espera
Logo meu coração ateu

Se falo em mim e não em ti
É que nesse momento
Já me despedi
Meu coração ateu
Não chora e não lembra
Parte e vai-se embora

(Sueli Costa)

Monólogo de Orfeu

Este é um dos trechos mais bonitos do primeiro ato da peça, em que Orfeu sobressalta-se quando Eurídice lhe diz "Até, neguinho. Volto num instante".
Orfeu tem um mau presságio, e pede à amada que não o deixe. Eurídice responde: "Meu neguinho, que bobagem! E' um instantinho só. Volto com a aragem..."


Orfeu:

Ai, que agonia que você me deu
Meu amor! que impressão, que pesadelo!
Como se eu te estivesse vendo morta
Longe como uma morta...

Eurídice:

Morta eu estou.
Morta de amor, eu estou; morta e enterrada
Com cruz por cima e tudo!

Orfeu (sorrindo):

Namorada!
Vai bem depressa. Deus te leve. Aqui
Ficam os meus restos a esperar por ti
Que dás vida!

(Eurídice atira-lhe um beijo e sai).

Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços! Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
E' mais porque te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa? cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, - que é que eu sei! essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem - nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! e me dizes essas coisas
Que me dão essa fôrça, essa coragem
Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice...
Coisa incompreensível! A existência
Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos. Tu
És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! criatura! quem
Poderia pensar que Orfeu: Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres - que êle, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que eu estarei contigo!


Orfeu da Conceição', Vinicius de Moraes, Livraria S. José, Rio, 1960.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Cicatrizes

Amor
Amor que nunca cicatriza
Ao menos ameniza a dor
Que a vida não amenizou.

Que a vida a dor domina
Arrasa e arruína
Depois passa por cima a dor
Em busca de outro amor.

Acho que estou pedindo uma coisa normal
Felicidade é um bem natural.

Uma
Qualquer uma
Que pelo menos dure enquanto é carnaval
Apenas uma
Qualquer uma
Não faça bem mais que também não faça mal.

Meu coração precisa...

(Miltinho - Paulo Cesar Pinheiro)

Preciso me encontar

Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas do rio correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

(Candeia)

domingo, 27 de julho de 2008

O Samba é Meu Dom

O Samba é meu dom
Aprendi bater samba, ao compasso do meu coração
De quadra, de enredo, de roda, na palma da mão
De breque, de partido alto e o samba canção.
O samba é meu dom
Aprendi dançar samba, vendo samba de pé no chão
No Império Serrano a escola da minha paixão
No terreiro, na rua, no bar, gafieira e salão.
O samba é meu dom
Aprendi cantar samba com quem dele fez profissão
Mário Reis, Vassourinha, Ataulfo, Ismael, Jamelão
Com Roberto Silva, Sinhô, Donga, Ciro e João.
O samba é meu dom
Aprendi muito samba com quem sempre fez
Samba bom
Silas, Zinco, Aniceto, Anescar, Cachiné, Jaguarão
Zé Com Fome, Herivelto, Marçal, Mirabô, Henricão.
O samba é meu dom
É no samba que eu vivo e do samba que eu
Ganho o meu pão
É no samba que eu quero morrer de baqueta na mão
Pois quem é de samba o meu nome
Não esquece mais não

(Wilson das Neves - Paulo César Pinheiro)



Wilson das Neves




Fabiana Cozza e Zimbo Trio

Trajetória

Não perca tempo assim contando história
Pra que forçar tanto a memória
Pra dizer
Que a triste hora do fim se faz notória
E continuar a trajetória
É retroceder
Não há no mundo lei que possa condenar
Alguém que a um outro alguém deixou de amar
Eu já me preparei, parei para pensar
E vi que é bem melhor não perguntar
Porque é que tem que ser assim
Ninguém jamais pode mudar
Recebe menos quem mais tem pra dar
E agora queira dar licença, que eu já vou
Deixa assim, por favor
Não ligue se acaso o meu pranto rolar, tudo bem
Me deseje só felicidade, vamos manter a amizade
Mas não me queira só por pena
Nem me crie mais problemas
Nem perca tempo assim contando história...

(Arlindo Cruz - Serginho Meriti - Franco)







Fabiana Cozza e Maria Rita

Tendência

Você entrou na minha vida
Usou e abusou, fez o que quis
E agora se desespera, dizendo que é infeliz
Não foi surpresa pra mim, você começou pelo fim
Não me comove o pranto de quem é ruim, e assim
Quem sabe essa mágoa passando
Você venha se redimir
Dos erros que tanto insistiu por prazer
Pra vingar-se de mim
Diz que é carente de amor
Então você tem que mudar
Se precisar, pode me procurar

Não... pra que lamentar
O que aconteceu... era de esperar
Se eu lhe dei a mão... foi por me enganar
Foi sem entender, que amor não pode haver
Sem compreensão, a desunião... tende aparecer
E aí está... o que aconteceu
Você destruiu, o que era seu !

Você entrou na minha vida
Usou e abusou, fez o que quis
E agora se desespera, dizendo que é infeliz
Não foi surpresa pra mim, você começou pelo fim
Não me comove o pranto de quem é ruim, e assim
Quem sabe essa mágoa passando
Você venha se redimir
Dos erros que tanto insistiu por prazer
Pra vingar-se de mim
Diz que é carente de amor
Então você tem que mudar
Se precisar, pode me procurar!

(Dona Ivone Lara)

Eclipse oculto

Nosso amor não deu certo, gargalhadas e lágrimas
De perto fomos quase nada
Tipo de amor que não pode dar certo na luz da manhã
E desperdiçamos os blues do Djavan

Demasiadas palavras, fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia como se o coração tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida

Não me queixo, eu não soube te amar
Mas não deixo de querer conquistar
Uma coisa qualquer em você, o que será?

Como nunca se mostra o outro lado da lua
Eu desejo viajar do outro lado da sua
Meu coração galinha de leão não quer mais
amarrar frustração
Ó eclipse oculto na luz do verão

Mas bem que nós fomos muito felizes só durante o
prelúdio
Gargalhadas e lágrimas até irmos pro estúdio
Mas na hora da cama nada pintou direito
É, minha cara, falar, não sou proveito sou pura
fama

Não me queixo, eu não soube te amar
Mas não deixo de querer conquistar
Uma coisa qualquer em você, o que será?

Nada tem que dar certo, nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio, atrasado e aflito
E paramos no meio sem saber os desejos aonde
é que iam dar
E aquele projeto ainda estará no ar?

Não quero que você fique fera comigo
Quero ser seu amor, quero ser seu amigo
Quero que tudo saia como som de Tim Maia, sem
grilos de mim
Sem desespero, sem tédio, sem fim

(Caetano Veloso)

Pra rua me levar

Não vou viver, como alguém que só espera um novo amor
Há outras coisas no caminho aonde eu vou
As vezes ando só, trocando passos com a solidão
Momentos que são meus e que não abro mão

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você


É... mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas, talvez você nem queira ouvir

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você...

(Ana Carolina - Totonho Villeroy)

Cantada (Depois de ter você)

Depois de ter você,
pra quê querer saber que horas são?
Se é noite ou faz calor,
se estamos no verão,
se o sol virá ou não,
ou pra quê é que serve uma canção como essa?

Depois de ter você, poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas,
pra quê amendoeiras pelas ruas?
Para quê servem as ruas?
Depois de ter você...

(Adriana Calcanhotto)

Sou Eu

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.

Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.

Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.

Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

Sou eu mesmo, que remédio! …


Álvaro de Campos

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Eu preciso aprender a só ser

Sabe, gente.
É tanta coisa pra gente saber.
O que cantar, como andar, onde ir.
O que dizer, o que calar, a quem querer.

Sabe, gente.
É tanta coisa que eu fico sem jeito.
Sou eu sozinho e esse nó no peito.
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder.

Sabe, gente.
Eu sei que no fundo o problema é só da gente.
E só do coração dizer não, quando a mente.
Tenta nos levar pra casa do sofrer.

E quando escutar um samba-canção.
Assim como: "Eu preciso aprender a ser só".
Reagir e ouvir o coração responder:
"Eu preciso aprender a só ser."

(Gilberto Gil)




Renato Braz

Lamento Sertanejo

Por ser de lá
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga e do roçado
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigo
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado

Por ser de lá
Na certa, por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão, boiada caminhando a esmo

(Dominguinhos - Gilberto Gil)

Dinorah, Dinorah

Quando a turma reunia alguém sempre pedia
Ah, Dinorah, Dinorah
E o malandro descrevia e logo já se via
É, Dinorah, Dinorah
E até que ela chegasse a um motel de classe
Vi, Dinorah, Dinorah
Dava um frio na barriga e pé pra muita briga
Vi, Dinorah, Dinorah
E nos espelhos ela se despe, dança nos olhos uma chacrete
E o pessoal na pior: repete!
Mas o verdadeiro fato está dentro do quarto
Vi, Dinorah, Dinorah
Ele abre o seu armário e vê no calendário
É, Dinorah, Dinorah
Desenhando na lapela a boca, o beijo dela
Ah, Dinorah, Dinorah

(Ivan Lins e Vitor Martins)



Verônica Ferriani

Ciranda da bailarina

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Berruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem

Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem

Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem

Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem

O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem

Procurando bem
Todo mundo tem...

(Edu Lobo - Chico Buarque)




Mônica Salmaso e Grupo Pau Brasil

quinta-feira, 24 de julho de 2008

A história de Lily Braun

Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom

Ele me comia
Com aqueles olhos
De comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz

E voltou
Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão
Foi desde então ficando flou

Como no cinema
Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilingüindo toda
Ao som do blues

Abusou do scotch
Disse que meu corpo
Era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale no decote
Disparei com as faces
Rubras e febris

E voltou
No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus
Numa turnê

Como amar esposa
Disse ele que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar

Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz

(Edu Lobo e Chico Buarque)



Mônica Salmaso e Grupo Pau Brasil

Viver de Amor

Quem quis me ferir
Ficou assim
Não aprendeu perdoar
Morrer de amor até o fim
Não brinque de esconder

Não fica bem
Você mentir depois de jurar
Desperdiçar
O tempo de tentar morder
E provar de amor e não largar
Pra tentar conhecer

Quem olha pra mim
Me vê feliz
Não sabe o que é duvidar
Viver de amor até o fim
Não quero mais chorar

Sem perceber
Jogar a vida inteira no ar
Saber de cor
Viver do jeito que se quer
E morrer de amor e não ligar
Pra tentar esquecer

(Milton Nascimento)

terça-feira, 22 de julho de 2008

Todos dos lugares

freqüentas as minhas mais
estranhas fantasias
e todas as manhãs
és o meu pão e o leite
me salvas do jejum
nas madrugadas frias
e à noite sempre volto a te pedir:
me aceite

não venho de lugar algum
especialmente
pois já passei por todos os lugares
eu muito sinto tudo isso e sei que sentes
se acaso não concordo quando me acordares

quero-te mais do que imaginas ser possível
te trouxe um búzio mágico dessa viagem
marinha melodia ao pé do teu ouvido
já que pensas que sou um marinheiro audaz

faça de conta
que nada disso conta
que não importa exceto
estarmos outra vez aqui
abra-me novamente a sua porta
pois eu jamais parti

(Sueli Costa e Tite de Lemos)

Cartas de Amor de Fernando Pessoa ...

(...)
Quanto a mim...
(...) O amor passou. (....)Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inutil.
(...)

Fernando Pessoa

IN

Ophelinha:



Agradeço a sua carta. Ella trouxe-me pena e allivio ao mesmo tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; allivio, porque, na verdade, a unica solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amisade inalteravel. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?

Nem a Ophelinha, nem eu, temos culpa nisto. Só o Destino terá culpa, se o Destino fosse gente, a quem culpas se attribuissem.

O Tempo, que envelhece as faces e os cabellos, envelhece tambem, mas mais depressa ainda, as affeições violentas. A maioria da gente, porque é estupida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contrahiu o habito de se sentir a amar. Se assim não fosse, naão havia gente feliz no mundo. As creaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade d'essa illusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por elle a estima, ou a gratidão, que elle deixou.

Estas cousas fazem soffrer, mas o soffrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?

Na sua carta é injusta para commigo, mas comprehendo e desculpo; decerto a escreveu com irritação, talvez mesmo com magua, mas a maioria da gente - homens ou mulheres - escreveria, no seu caso, num tom ainda mais acerbo, e em termos ainda mais injustos. Mas a Ophelinha tem um feitio optimo, e mesmo a sua irritação não consegue ter maldade. Quando casar, se não tiver a felicidade que merece, por certo que não será sua a culpa.

Quanto a mim...

O amor passou. Mas conservo-lhe uma affeição inalteravel, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequeneina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossem uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh'as attribuisse.

Não sei o que quer que lhe devolva - cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memoria viva de uma passado morto, como todos os passados; como alguma cousa de commovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos annos é par do progresso na infelicidade e na desillusão.

Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infancia, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras affeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memoria profunda do seu amor antigo e inutil

Que isto de "outras affeições" e de "outros caminhos" é consigo, Ophelinha, e não commigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existencia a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais á obediência a Mestres que não permittem nem perdoam.

Não é necessario que comprehenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.


Fernando

29/XI/1920



Cartas de Amor de Fernando Pessoa, Organização, posfácio e notas de David Mourão-Ferreira, Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz, Edições Ática, Lisboa 1978, pp. 131-133.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

40 GRAUS DE FEBRE

Pura? Que vem a ser isso?
As línguas do inferno
São baças, baças como as tríplices

Línguas do apático, gordo Cérbero
Que arqueja junto à entrada. Incapaz
De lamber limpamente

O febril tendão, o pecado, o pecado.
Crepita a chama.
O indelével aroma

De espevitada vela!
Amor, amor, escassa a fumaça
Rola de mim como a echarpe de Isadora, e temo

Que uma das bandas venha a prender-se na roda.
A amarela e morosa fumaça
Faz o seu próprio elemento. Não irá alto

Mas rolará em redor do globo
A asfixiar o idoso e o humilde,
O frágil

E delicado bebê no seu berço,
A lívida orquídea
Suspensa do seu jardim suspenso no ar,

Diabólico leopardo!
A radiação faz que ela embranqueça
E a extingue em uma hora.

Engordurar os corpos dos adúlteros
Tal qual as cinzas de Hiroshima e corroê-los.
O pecado. O pecado.

Querido, a noite inteira
Eu passei oscilando, morta, viva, morta, viva.
Os lençois opressivos como beijos de um devasso.

Três dias. Três noites.
água de limão, canja
Aguada, enjoa-me.

Sou por demais pura para ti ou para alguém.
Teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna -

Minha cabeça uma lua
De papel japonês, minha pele de ouro laminado
Infinitamente delicada e infinitamente dispendiosa.

Não te assombra meu coração. E minha luz.
Eu sou, toda eu, uma enorme camélia
Esbraseada e a ir e vir, em rubros jorros.

Creio que vou subir,
Creio que posso ir bem alto -
As contas de metal ardente voam, e eu, amor, eu

Sou uma virgem pura
De acetileno
Acompanhada de rosas,

De beijos, de querubins,
Do que venham a ser essas coisas rosadas.
Não tu, nem ele

Não ele, nem ele
(Eu toda a dissolver-me, anágua de puta velha) -
Ao Paraíso.

Sylvia Plath

(Tradução: Afonso Félix de Souza)

terça-feira, 15 de julho de 2008

But not for me

Old man sunshine listen you
Never tell me dreams come true
Just try it and I'll start a riot
Beatrice Fairfax don't you dare
Ever tell me he will care
I'm certain it's the final curtain
I never want to hear from any cheerful Pollyannas
Who tell you fate supplies a mate
It's all bananas

They're writing songs of love but not for me
A lucky star's above but not for me
With love to lead the way I've found more clouds of gray
Than any Russian play could guarantee

I was a fool to fall and get that way
Hi-ho.. alas... and also lack-a-day
Although I can't dismiss the memory of his kiss
I guess he's not for me

(George and Ira Gershwin)




JUDY GARLAND ("Girl Crazy")

sábado, 12 de julho de 2008

No frio

Não foi
Nem foi
Nem quis
Esteve
Não soube
Houve
Nem como
Nem porquê
Sorriu estertoroso
Foi

(a.l.k.)

Desfolho

Depois de tudo e no entorno do pensamento mórbido resta o gosto do desprazer. O prazer desfeito, abortado, feto, seminal, inóquo, mas imensamente triste por sabê-lo que poderia ter sido o que não foi. Como aquele que não nasceu ou antes de ser mesmo desviveu. Vou desvivendo a cada dia, cronologica e naturalmente e sem somar a mim o peso das folhas. Dos livros. Das árvores. De flandres. Assim, amanhã, tão leve, o vento terá o esforço mínimo para me fazer feliz.

(a.l.k.)

Meu mundo e nada mais

Quando eu fui ferido vi tudo mudar
Das verdades que eu sabia

Só sobraram restos que eu não esqueci
Toda aquela paz que eu tinha

Eu que tinha tudo hoje estou mudo, estou mudado
À meia-noite, à meia luz, pensando
Daria tudo por um modo de esquecer

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz, sonhando
Daria tudo por meu mundo e nada mais

Não estou bem certo se ainda vou sorrir
Sem um traço de amargura

Como ser mais livre, como ser capaz
de enxergar um novo dia

(Guilherme Arantes)

Tristesse

Como você pode pedir
Pra eu falar do nosso amor
Que foi tão forte e ainda é
Mas cada um se foi
Quanta saudade brilha em mim
Se cada sonho é seu
Virou história em sua vida
Mas prá mim não morreu
Lembra, lembra, lembra, cada instante que passou
De cada perigo, da audácia do temor
Que sobrevivemos que cobrimos de emoção
Volta a pensar então
Sinto, penso, espero, fico tenso toda vez
Que nos encontramos, nos olhamos sem viver
Pára de fingir que não sou parte do seu mundo
Volta a pensar então
Como você pode pedir...

(Telo Borges - Milton Nascimento)

De fora, de dentro, o inverso impossível

Eu sempre assim de um modo que eu desconheço, nem busco, atraio palavras. Elas me vêm aos montes pelos olhos, ouvidos, vêm, vêm. Eu as recebo e devolvo o possível sumo de suas essências. No entanto algo em mim dentro perdura. Uma sujeira, um risco, um travo daquelas letras todas e fonemas. Duras, cruas. Quase sempre elas são assim mesmo, assim mesmo pra mim: coisas. Mas eu sei bem que são sentimento. Eu sou. E triste louca amargamente quem ouve ou lê aquilo que há por dentro? Por dentro de mim. Quem dilui, me ajuda a diluir, quem faz? Ninguém.

(a.l.k.)

Negrinho do Pastoreio

Neguinho do pastoreio
Acha o meu amor pra mim
Ou corto seu devaneio
Com a nega do pixaim

Não adianta me olhar feio
Não posso viver assim
Minha vida está no meio
E parece que está no fim

Senão, escrevo e não leio
Te transformo em querubim
Meu nego do pastoreio
Acha o meu amor pra mim

(Joyce)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Vai saber?

Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de mudar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor

Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não tenha do que duvidar
Pensando bem, pode mesmo
Chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?

Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de se dar
E pode aparecer onde ninguém ousaria se pôr

Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não tenha o que considerar
Pensando bem, pode mesmo
Chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?
Vai saber?
Vai saber?

Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de jogar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor

Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não venha a reconsiderar
Pensando bem, pode mesmo
Chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais...

(Adriana Calcanhotto)

domingo, 6 de julho de 2008

Por um fio

Por um fio eu me parto em dois
Aceito o que a sorte dispôs
No meu caminho
Vejo a vida, a morte e o depois
Não vou viver jamais sozinho
Porque sou dois
Sou mais que dois
Sou muitos fios
Que vão se tecendo
Com a voz do outro em mim
E quem canta não sabe o fim
Com medo e alegria
Ele anda por um fio

(José Miguel Wisnik e Paulo Neves)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

E O VENTO LEVOU

Você foi como veio
Um amor que sem freio
Disparou em nós essa emoção
Confiamos em nós, nos perdemos
Achando imbatível a nossa paixão.

Os momentos em que nos amamos
Vivemos, cantamos, deixamos passar
Confiamos em nós, nos perdemos
Ficando a vontade do tempo voltar.

A saudade foi o que sobrou
Deste amor que brincou
Ao julgar ser capaz
De prever, de cuidar, de zelar
De nutrir, de salvar, de guardar
Ser a nossa proteção
Deixou marcas na alma a lição
E hoje só o coração
Pra agüentar essa dor
És a folha que o vento levou
E eu atrás perseguindo
Buscando-te em vão.

(Wilson das Neves / Cláudio Jorge)

Poderá também gostar de: